18-07-2008 Entusiasmado com os percursos na Linha do Tua, decidi fazer mais uma caminhada, desta vez entre Foz-Tua e Abreiro. Ainda tinha na memória as fantásticas paisagens do dia 1 de Maio de 2008. No entanto, como continuei a interessar-me pela Linha, cheguei à conclusão de que houve uma série de coisas que me passaram desapercebidas. Também a paisagem devia estar bastante diferente. Toda a verdura de Abril e Maio já desapareceu, devendo estar tudo bem mais seco.
Este percurso colocou-me dois desafios: o primeiro foi o da distância, de Foz-Tua a Abreiro, são 29 quilómetros; o segundo foi a necessidade de levantar cedo, a automotora partia de Abreiro em direcção a Foz-Tua às 6:25 da manhã!
Acabo por encarar estas caminhadas como um desporto radical, levando cada etapa um pouco mais além, sentindo a adrenalina da aventura. Mesmo sem conseguir dormir grande coisa, antes das seis da manhã, já andava eu a tentar fotografar a noite, na estação de Abreiro. A automotora chegou por volta das seis e um quarto e os primeiros raios de sol, um pouco depois. Tinha grandes expectativas para fotografar o nascer do sol no vale da Linha do Tua, mas a desilusão foi grande. A luz reflectia-se nos vidros da automotora e o contraste de zonas de sombra com zonas de luz, não se compadeciam com o movimento da automotora, ainda que esta se desloque a pouca velocidade.
A animação chegou na estação de Codeçais, com uma idosa impaciente a rogar pragas ao maquinista e revisor. Estava com receio de perder a consulta, na Régua.
Quando chegámos ao Douro, foi como se as portas do céu se abrissem! O vale do Douro, de nascente para poente, era um rio de luz, fazendo jus ao seu nome, Rio Doiro. Sem pressas, percorri toda a estação, espreitando cada recanto. A luminosidade já permitia fotografar sem problemas. Preparado para a grande jornada, fui ao bar beber uma garrafa de água fresca. A água seria a minha maior preocupação na caminhada.
Às oito menos um quarto, coloquei-me junto ao quilómetro zero. Acho piada à placa do quilómetro zero! É o ponto de partida. Nos primeiros metros, mal consegui desviar os olhos do Douro. Que felicidade a destas pessoas que acordam todos os dias com este espectáculo!...
De repente, uma curva afastou o meu olhar, para outro vale, o Vale do Tua, mais agreste, mal iluminado ainda. - É por ali que eu quero ir.
O quilómetro um tem motivos de interesse suficientes para me fazerem esquecer o Douro: o viaduto e o túnel das Presas. Não fosse a ameaça que evidencia o estradão já aberto na outra margem do rio e sentir-me-ia a entrar no ventre da terra, deixando para trás a porta que se abre e nos mostra um vale cheio de luz. Depois de passar o túnel, o apito de um comboio fez-me olhar para trás. Um comboio de mercadorias atravessava o Rio Tua, na Linha do Douro.
Agora, com mais calma, podia fazer várias tentativas para acertar na fotografia. Esta é uma das situações em que os automatismos todos, de pouco valem, tive de fazer uso de alguma experiência para controlar o diafragma, não obedecendo ao fotómetro.
No início do quilómetro dois são visíveis os vestígios do último acidente havido na linha, com uma Dresina, no dia 10 de Abril. Estranho, este acidente. Neste local, parece impensável dever-se à queda de pedras, que é o perigo mais evidente.
Concentrei-me de novo na linha. Levantando os olhos, vê-se S. Mamede de Ribatua colocado sobre os montes. Parece ali posto para vigiar o rio, que se torce, preguiçoso, no seu lento despertar. A erva seca, atravessada pelos raios de sol, lembram-me campos de trigo de Van Gogh. Quando se pensa que a linha termina de encontro a uma rocha escondida nas sombras, uma nova curva leva-a um pouco mais à frente, num jogo perfeito com o rio. Quase sem dar conta cheguei à estação de Tralhariz.
A passagem pelo Túnel de Tralhariz é mais um salto de espaços. Ficam para trás as calçadas com oliveiras, as vinhas tremendamente verdes, as copas esféricas das oliveiras. Espera-nos agora o reino das rochas, matéria prima de toda a criação. Aqui o rio teve dificuldade em abrir o seu caminho, sendo obrigado a descrever curvas mais pronunciadas mas estreitas, procurando desesperadamente o Douro.
Também os engenheiros da linha lutaram com imaginação, aproveitando cada metro, cada palmo, perfurando as entranhas das montanhas em vários pontos. Num ponto específico, a linha não tinha espaço. Colocaram-na sobre o vazio, criando o Viaduto das Fragas Más (que nome mais condizente!). Consultei o horário. Passava pouco das dez da manhã e eu tinha percorrido pouco mais de cinco quilómetros. O lugar é de eleição, decidi que ia esperar pela passagem da automotora. Como tive que esperar quase meia hora, aproveitei para procurar a melhor localização possível e depois descansei um pouco mordiscando uma doce maçã, sempre de olho na linha. A automotora ia sair do Túnel das Fragas Más I, passar sobre o viaduto e entrar no Túnel das Fragas Más II, em poucos segundos. Depois percorreria um largo espaço, dando-me tempo mais que suficiente, para múltiplas fotografias. A minha atenção, com um olho na linha e outro na maçã, era para apanhar a automotora no viaduto, entre os dois túneis.
O som multiplica-se ao longo do rio. Às vezes parece ouvir-se o som do comboio ao longe, mas são miragens, não passa da imaginação e do som das águas revoltosas do rio. De repente a automotora surgiu, vinda das sombras do primeiro túnel. Progredia muito lentamente, permitindo-me várias fotografias.
Pouco depois estava no local fatídico do acidente do dia 12 de Fevereiro de 2007, é impossível não reparar no lugar. Caminhei mais algum tempo e encontrei um ponto onde havia água. Aproveitei para repor a que já tinha bebido. O dia prometia ser quente, muito quente.
Só já esperava encontrar o pequeno apeadeiro do Castanheiro. Está tão “encaixado” na escarpa que só se dá por ele, quando nele se tropeça. Junto ao rio há um conjunto de mós, devem ter existido aqui várias azenhas. As águas levaram quase tudo menos as mós e uma espécie de ponte feita em pedra. É um dos pontos do rio com uma bonita praia de areia branca. Bem me apetecia um banho refrescante.
Subi a um penhasco, estava na hora de passar mais uma automotora. Acompanhei-a desde longe, desta vez no percurso descendente da linha, e passou quase por debaixo dos meus pés.
Retomei a caminhada. O rio e a linha aproximam-se de novo. Aqui e além surgem de novo algumas oliveiras. Não porque os terrenos são melhores, mas porque os acessos são mais fáceis. As oliveiras crescem em locais incríveis, mas têm uma bonita copa, frondosa e arredondada.
No quilómetro nove aparece mais um túnel, o Túnel da Falcoeira. Depois de sair do túnel há uma zona com uma paisagem excepcional, uma das minhas preferidas. Na margem oposta do rio há rochedos que parecem formar construções. Alguns parecem querer cair a qualquer instante, tão frágil é o seu equilíbrio. Também há algumas formações rochosas curiosas junto à Ponte de Paradela, no quilómetro 11.
Quando atingi esta ponte era meio dia e um quarto e tinha percorrido sensivelmente um terço do meu percurso. Levei quatro horas e meia a percorrer 10 quilómetros, quanto tempo me levaria ainda até Abreiro?
Esta aventura continua...
Mais fotografias relacionadas com a Linha do Tua no Blog:
A Linha é Tua (http://alinhaetua.blogspot.com/)
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