sexta-feira, 30 de julho de 2010

À descoberta de Fontelonga (Parte 1/2)

“Feia, fria e farta” – era este o rifão que levava na cabeça quando passei junto à capela de Santo António, em Penafria, a caminho de Fontelonga. Estes atributos são muitas vezes citados como sendo os da cidade da Guarda, mas também já os ouvi a respeito da aldeia que se situa a maior altitude, no concelho de Carrazeda de Ansiães. Dado o frio que se fazia sentir, tinha quase a certeza que não teria muitas dúvidas a respeito do segundo atributo.
Fontelonga (ou Fonte Longa com a grafia mais antiga) situa-se a cerca de 3 quilómetros da sede de concelho, Carrazeda de Ansiães. Com o povoado todo edificado acima dos 800 metros de altitude, encontra-se totalmente exposta aos elementos, que fazem deste lugar um dos mais frios do concelho, com muitos ventos e nevadas frequentes.
Longe de refutar este atributo de terra fria, os habitantes de Fontelonga parecem querer fazer dele um factor de diferença. O Pinocro, marco geodésico situado a 883 metros de altitude, é um dos pontos de referência da aldeia e por todos indicado como um local a visitar. Foi precisamente no Pinocro que fiz a primeira paragem da minha visita à aldeia.
O marco geodésico, com forma de uma pirâmide quadrangular, eleva-se a vários metros de altitude. Faz parte de uma rede geodésica, sendo este um marco de primeira ordem. O ano de 1955 aparece gravado em vários locais, mas há quem afirme que “já lá estava no tempo dos mouros”. Não deve ser verdade porque a cartografia moderna em Portugal só se iniciou no séc. XVIII. O Abade de Baçal referenciou-o em 1859. O que realmente importa é que a freguesia tem feito muitos investimentos neste local, tornando-o um grande e agradável espaço de culto e lazer. Perto do marco geodésico está um nicho com a imagem de Santa Clara, um altar e um ambão ambos em granito. Aí se celebra a Eucaristia em honra de Santa Clara, nas festas de Agosto, depois de chegada a procissão vinda da Igreja Matriz.
Não muito distante, para poente, há um grande largo em terra batida e uma estrutura em cimento que aparenta ser um palco ou a base para uma construção futura. O pinhal ao lado foi arranjado com mesas, cadeiras, fontanários, assadores e iluminação. Trata-se de um enorme parque de merendas que adoraria conhecer num dia mais “movimentado”.
Recentemente foi também construído um bar com casas de banho e outras estruturas de apoio.
Subi ao ponto mais alto junto do Pinocro. Avista-se uma grande fatia de terra do concelho, mas o olhar perde-se para os lados do Douro, alcançando a outra margem, já no distrito da Guarda. Com um pouco de sorte conseguia ver o Marão, e, quem sabe, a serra da Estrela. Carrazeda estendia-se encostada à Pranheira e brilhava de cada vez que o sol conseguia furar a camada de nuvens que ameaçava desfazer-se em frias gotas sobre a minha cabeça.
Entre a vila e a aldeia fica a barragem, conhecida como barragem da Fontelonga. Esta é uma das infra-estruturas mais importantes e mais procuradas do concelho, principalmente no Verão. Espalhadas por vários hectares estão as piscinas municiais, um bar, um parque de merendas, campos de jogos e muitas, muitas árvores, convidando a uma tarde calma, em contacto com a natureza. É no Outono que eu mais aprecio este espaço. Os carvalhos americanos pintam-se de vermelhos e laranjas e as sebes decoram-se com medronhos maduros. Algumas aves aquáticas e limícolas utilizam a área da barragem, principalmente quando a calma do final do Verão se instala.
Depois de um último olhar para o castelo de Ansiães, também ele altivo, quase à mesma cota do Pinocro, desci à aldeia e estacionei no Largo da Praça. Abordei a primeira pessoa com quem me cruzei. Apesar de conhecer minimamente a aldeia, gostava de ouvir a opinião de alguns residentes. Não podia ter tido mais sorte. A idosa, com quase oitenta anos de idade, de nome Zeza, recebeu-me com curiosidade e sem receios. Ao fim de algumas palavras estendeu-me uma mão cheia de cerejas maduras, e alguns versos:
Fontelonga é boa terra / É terra de tradições / Tem um marco geodésico / Para guiar os aviões.
Surpreendida com o meu entusiasmo em escrever a quadra, não se fez rogada e continuou:
Adeus ó Largo da Praça / Onde a água sobe e desce / Nem a água mata a sede / Nem o meu amor me esquece.
Falou-me de si, da sua mãe, ainda viva, e da vida na aldeia em décadas passadas, das agruras e das alegrias. Intercalava as suas descrições com versos que brotavam da sua boca com ânsia de se fazerem ouvir:
Fontelonga é um jardim / Toda a gente diz assim / É tão linda a nossa terra.
Por esse mundo além / Não falta quem faça bem / Desde o vale até à serra.
Estes versos soaram-me a algo familiar. Lembraram-me os ranchos que representaram as diferentes aldeias no Cortejo das Oferendas realizado a favor do hospital nos finais da década de 40 inícios da década de 50. A minha mãe também os canta. Tive a confirmação nos versos seguintes:
Fontelonga abandonada / Bem merece ser olhada / Com carinho e atenção,
Pois nela tudo produz / Só nos falta ter a luz / É a nossa aspiração.
A assistir aos referidos cortejos estavam importantes representantes do poder central. A oportunidade era aproveitada pelas diferentes aldeias para fazerem reivindicações, normalmente em forma de canção, que cantavam no desfile, transportando as suas dádivas em carros de bois carinhosamente decorados.
Prometido um novo encontro no futuro para ouvir os restantes versos, parti para um passeio pelas principais ruas da aldeia, já com algumas referências dos locais que iria visitar. O meu percurso levou-me por ruas praticamente abandonadas, com casas em ruínas, algumas ainda usadas para alojar animais de carga. O acidentado relevo que se estende da aldeia ao rio Douro faz com que ainda se utilize com frequência gado cavalar.
Pouco depois cheguei ao Largo das Eiras. Só depois de conversar com um senhor que chegava com uma carroça carregada de erva fresca é que pude saber onde estava. Não há qualquer placa com o nome das ruas!

Continua....
À descoberta de Fontelonga (Parte 2/2)

2 comentários:

Anónimo disse...

Amigo Aníbal:
Não são carvalhos americanos, mas sim liquidâmbar styraciflua,esta última é uma árvore sem igual, principalmente nesta altura do ano,um eficaz tratamento de cromoterapia para combater todo o tipo de angústia.

Manuel Joaquim

seva disse...

Bonita localidad protuguesa que conozco ya que mi mujer es de Fotelonga, un saludo desde Cantabria.