O desafio partiu de um amigo de longa data, defensor da Linha do Tua e entusiasta da fotografia. Foi alargado a um grupo de pessoas, mas por questões de agenda, de logística ou outras, acabámos por ser apenas 3 a aventurarmo-nos nesta caminhada de cerca de 20 km.
Caminhar foi uma das componentes, porque houve tempo para muita conversa, muita curiosidade sobre aspetos relacionados com a linha e outras estruturas por onde passámos e muitas fotografias, paixão comum aos três caminheiros.
A caminhada teve início junto à estação de Brunheda, ainda bastante cedo. O céu estava muito nublado com algumas abertas, muito pouco convidativo à fotografia, mas há sempre desafios que utilizar a pouca luz existente.
A primeira curiosidade, já por mim verificada na estação de Abreiro, é a de que alguma tipo de estrutura se tem deslocado sobre os carris. Tivemos alguma atenção e os carris são usados até muito próximo de S. Lourenço. Aí há um desvio há uma rocha na linha, originada numa queda, e o que quer que tenha circulado teve que voltar para trás.
A estação de S. Lourenço foi vandalizada. Já passei várias vezes por lá e estava sempre fechada, mas desta vez estava aberta. Este edifício é de construção recente e nunca despertou a mínima curiosidade. Desta vez entrámos, para ver os estragos. Foram roubados lavatórios, sanitas e portas, pouco mais havia para roubar.
Após S. Lourenço a paisagem é de puro maravilhamento (se é que a palavra existe). Perder-se a ligação com a "civilização", saber que não há hipótese de desistir e que o único caminho é seguir em frente, dá oportunidade de olhar todo o espaço em redor de uma forma única. A companhia do barulho das águas, a agressividade da escarpa rochosa, a beleza natural com que esta época do ano veste cada centímetro de terra onde as raízes se podem fixar.
Para completar esta paisagem poética surge a aldeia do Amieiro. Vista da outra margem, é difícil imaginá-la com ruas estreitas, íngremes, cheia de casas humildes e e de gente idosa. Vista da linha não é mais de que um aglomerado de casas carinhosamente colocados na encosta, tal qual como colocamos a cabana e os pastores no musgo do presépio. É isso que o Amieiro é, um presépio.
O rio percorre um caminho cada vez mais agreste, visível nas escarpas rochosas que limitam e orientam o seu caminho há milhares de anos.
Junto ao Castanheiro paramos para almoçarmos. Uma forte chuvada obrigou-nos a esperar alguns minutos (poucos), antes de descermos à bonita praia de areia branca que está próxima desta estação. Confesso que nunca tinha descido ao rio! Sempre que por ali passei a vontade de continuar foi mais forte do que a de descer ao rio e explorar a bonita praia e o conjunto de azenhas que ali deve ter existido. A companhia e o fato de estarmos sem qualquer necessidade de cumprirmos horários fez com que esta fosse um boa oportunidade de conhecer esta pequena praia.
Pude verificar que o mexilhão que habitualmente apanho rio Sabor também existe no Tua. As conchas bivalves que encontrámos indiciam que são de um tamanho considerável.
Pouco tempo depois chegámos a Tralhariz. A paisagem continua a ser magnífica não fosse o facto de já se avistar na outra margem o aterro retirado das obras da barragem. A magia perdeu-se, nem a doses laranjas roubada, num terreno abandonado têm o mesmo sabor. A atrocidade que estão a fazer com a construção da barragem é de uma crueldade que dói.
Ao quilómetro 3 somos obrigados a abandonar a linha. É perigoso e proibido continuar. A linha já não existe, o rio já não existe. Ambos foram dominados, humilhados, desviados do seu caminho.
Subir até à aldeia de Fiolhal, não é fácil. Apesar de ser uma pessoa habituada a andar e do dia não estar especialmente quente foram precisas algumas paragens para chegarmos perto da aldeia.
Aproveitámos para procurar alguns pontos estratégicos para observar as obras da barragem. O sentimento dominante não era de resignação, mas sim de revolta. É difícil aceitar os argumentos do desenvolvimentos, da reserva de água, da beleza que o vale pode vir a ter ou da energia que poderá produzir. Não somos "turistas", esta é a nossa terra, este é um património que nos estão a tirar sem hipótese de vislumbrarmos benefícios, além dos evidente para a EDP.
A destruição já é muita, mas nada que fosse impeditivo de parar definitivamente as obras. Aos defensores da teoria de que agora já não vale a pena parar as obras porque o mal já está feio, só me apetece perguntar: aceitariam casas uma filha com alguém que a violou? O mal já foi feito.
Já tínhamos um carro em Fiolhal, deixado lá às primeiras horas do dia. Gostaríamos de ter continuado pela linha até Foz-Tua, mas não nos restou outra alternativa senão a de descermos pela estrada.
Já em Foz-Tua fomos até à ponte rodoviária sobre o Tua. A paisagem em redor é desoladora. Muitos pescadores enfrentam o perigo e continuam a pescar na zona das obras.
Num restaurante da aldeia constatámos que os benefícios de ter muitos clientes das obras, sobretudo a mão de obra mais qualificada e com salários mais altos, não resulta num encaixe que permita a satisfação. Servir bem, produtos de qualidade, incluir entradas e vinho de marca, e cobrar 6€ por refeição, é caso para dizer, mais valia estar parado.
Esta fotografia já foi tirada há algum tempo atrás |
Estou com esperança que esta não seja a minha última viagem no vale do Tua. Não porque acredite que os responsáveis políticos deste país ganhem juízo, nem os autarcas aqui ao lado o têm (o capital domina a nossa existência), mas porque não aceito despedir-me tão rápido desta paisagem única, uma das maiores riqueza da nossa região.
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