Lavandeira é uma aldeia do concelho de Carrazeda de Ansiães, distando cerca de 7 km da sede. Muitos desconhecerão quase completo esta aldeia, recordando apenas o acontecimento de maior relevo que aí acontece todos os 15 e 16 de Setembro, as grandiosas festas em honra de Santa Eufémia. Outros farão a ligação da aldeia ao altaneiro e secular castelo de Ansiães, monumento ímpar no concelho, no distrito e mesmo na região, com uma história que se estende para lá da nacionalidade, podendo recuar mesmo à pré-história.
O visitante apressado, ou mesmo o romeiro dos dias de hoje, raramente tem tempo para saborear a beleza da paisagem, interpretar os sinais dos locais ou mesmo ter tempo para uma conversa sem hora marcada nem tema definido, apenas conversa, muitas vezes marcada pela recordação, pela saudade de pessoas, vivências e pelos espaços, que ainda existem mas que vão perdendo utilidade e significado. Por isso, pode ser interessante partir comigo numa "viagem", À Descoberta de mais esta freguesia.
Lavandeira não é muito rica em determinado tipo de património, por exemplo capelas, basta compará-la com Selores, ali ao lado, mas, nem por isso os habitantes da aldeia deixam de ter orgulho em lá morar e em se empenharem em querer mantê-la limpa e florida, como poucas no concelho. Nas primeiras vezes que visitei a aldeia, e já lá vão algumas décadas, foram as flores espalhadas por cada rua, por cada beco, por cada entrada de casa, que me fizeram gostar do lugar. Não só pela beleza das flores, mas também porque a sua plantação e manutenção mostra sensibilidade e brio, que, infelizmente, não abunda em todos os locais que tenho visitado.
Mais recentemente visitei a aldeia por duas vezes, com espaço de um ano entre elas. Por coincidência ambas aconteceram em março, quando a natureza começa a despertar de um período de dormência, sendo esse despertar evidente nas hortas e quintais, cheios de nabiças e amendoeiras em flor. E são estas subtilezas que realçam a rusticidade com que eram construída as casas da aldeia, do mais puro e duro granito, tal como ainda é possível encontrar em muitas ruas.
Um passeio pela Lavandeira deve começar no seu centro, posso mesmo dizer pelo seu “coração”, o largo de Santa Eufémia. Em redor deste largo podem-se referenciar dois coretos (lembro-me de haver outro quase no centro), a Casa dos Milagres, o Centro de Dia e a Igreja Matriz.
O Centro de Dia Santa Eufémia é uma IPSS que presta serviço a cerca de uma dezena de idosos. A sua ação alarga-se no apoio domiciliário a mais de duas dezenas de idosos espalhados por várias freguesias, algumas distantes, como o Castanheiro. O ambiente é calmo e luminoso com as vidraças viradas a poente, recebendo o sol quente do fim de tarde com a tranquilidade que só os idosos podem gozar. Às vezes cantam, outras rezam, mas a maior alegria é a companhia, que aqui se procuram.
A Casa dos Milagres, agora ampla e remodelada, poderia contar histórias infindáveis de outros tempos, da grandeza das cerimónias que se desenvolviam em honra de Santa Eufémia. Já não há tulhas para guardar o cereal e outras dádivas trazidas pelos romeiros devotos que aqui se dirigiam, no entanto, ainda são visíveis alguns elementos que recordam o passado, como ex-votos, quadros pintados representando milagres e agradecimentos pela cura conseguida. Alguns estão datados do início do séc. XIX, mas a Casa dos Milagres tem na fachada o ano de 1929. Aqui se podem pagar promessas e comprar as mais variadas lembranças. Há desde uma simples vela (0,50€), ao corpo de uma pessoa em cera (250€).
É também na Casa dos Milagres que está um surpreendente conjunto de cadernos com o nome dos irmãos da Confraria de Santa Eufémia. Esta confraria terá tido início no séc. XVI e conseguiu um considerável numero de irmãos (vários milhares) espalhados por vários concelhos. O Papa Pio XIV declarou-a como Irmandade Perpétua. A cobrança aos irmãos era feita em duas voltas (além-Tua e Vilariça) que abrangiam numerosos concelhos. As pessoas destacadas para a fazerem saíam no início de agosto e só regressavam em setembro. Durante esse tempo percorriam as aldeias, dormindo em casa de irmãos. Muitas aldeias tinham o seu próprio zelador, que se encarregava de fazer a recolha na sua aldeia. Devo dizer que sou irmão desta confraria desde que me lembro de ser gente!
Esta irmandade possuía um património em terras, que arrendava a bom dinheiro (noutros tempo). Além de mandar rezar uma missa por cada irmão que morria (com documento comprovativo que era enviado, penso que ainda é, para a morada do falecido), podia dar-se ao luxo de emprestar dinheiro.
Antes de uma visita à belíssima igreja matriz, talvez seja interessante fazer um percurso pela aldeia, conhecendo os seus espaços mais característicos.
Continua: À Descoberta de Lavandeira (2/3)
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