Anda por estas terras sem contar o tempo, porque não tem idade. Dele dão testemunho os frios gelados e os sóis abrasadores, o seu corpo de granito e a sua alma de vento. É o espírito da terra, o génio que paira sobre estes montes a que muitos deram nome. Viu passar as gerações como aves de arribação, mas só ele permanece nestas pedras eternas, teimosamente imóveis desde a aurora da memória, testemunhas mudas de lutas e tradições, de canseiras e suores, de aventuras pessoais ignoradas da história, de destinos enterrados após luta titânica pela sobrevivência, pela dignidade. O génio das fragas. Deposita um sopro na alma dos que aqui nascem e eles lho devolvem quando regressam ao seu seio; acompanha-os pela vida, curta ou longa, segue-lhes as aspirações e recolhe as suas angústias, as suas solidões; quando os traz de volta, aviva-lhes a memória e dá-lhes sentido à vida. Muitos dos que aqui viveram não sabiam de si o nome ou a pertença. Outros passearam pelos seus campos e florestas, apascentaram os gados e caçaram os javardos, comeram os frutos e beberam o hidromel. Outros mais tarde deram-se nome e identidade, iberos, celtas, banienses, ástures, pagus aunecus. Por aqui passaram romanos, godos e mouros. Apesar das guerras e ermamentos, nunca estas suas terras ficaram desertas: o seu sopro de vida manteve homens e gados, garantiu descendências e sobrevivências, até que os seus filhos se organizaram e hierarquizaram, aceitaram senhores e fizeram guerras, ganharam o pão e o orgulho de ser gente. Chamaram esta terra de Ansiães em homenagem a um poderoso senhor godo vindo de longe há mais de mil anos, mas o génio é intemporal e o seu povo vive dele, desde que há povos.Comprei, na recente realizada Feira do Livro, o romance "O violino do meu pai: Partir ou Ficar em Trás-os-montes" da autoria de Campos Gouveia. Confesso que foi um pouco pela curiosidade porque, apesar de conhecer pessoalmente o autor e ter lido algumas das suas contribuições na imprensa regional, o romance está longe de ser a literatura que me apetece ler. Quando desfolhei as primeiras folhas e li os primeiros parágrafos, fui agradavelmente surpreendido. A escrita cativou-me. O enredo desenvolve-se numa época que não vivi, mas o espaço é-me familiar. Utiliza uma linguagem simples mas sensível.
O autor, cujo nome real é Fernando Alberto Gouveia, é natural de Belver e integra a direcção da Liga dos Amigos de Belver.
A transcrição do início do livro, feita acima, destina-se a servir de incentivo para a leitura integral da obra. A publicação é da Câmara Municipal de Carrazeda de Ansiães. Infelizmente não se deve encontrar à venda em parte alguma da vila, mas não acredito que não esteja disponível na Biblioteca Municipal.
Nota: as fotografias são em Belver.
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